Premiado pela Academia Brasileira de Letras e aclamado pela crítica literária como um dos nossos melhores escritores, Jáder de Carvalho vem sendo reabilitado, por último, como romancista, a partir da reedição de romances como Aldeota e Sua Majestade, o Juiz.
Este último livro, um dos pontos de relevo da obra literária do autor, foi publicado pela Editora Musa, de São Paulo, em 1962, e teve uma segunda edição feita por Manoel Coelho Raposo, em 2001, no centenário de nascimento do poeta.
Ao lado de Aldeota, constitui o dueto de livros do autor que teve a maior repercussão, e que causou a mais acesa polêmica nos alicerces da sociedade cearense do início da década de sessenta, mostrando-nos Jáder de Carvalho o quanto a longa ficção é uma linha de força capaz de revelar a beleza ou as grandes misérias de um povo.
Tanto Aldeota quanto Sua Majestade, o Juiz tornaram-se, no Ceará das décadas de 1960 a 1980, romances de leitura quase proibida, tendo parte de seus exemplares sido recolhida, ou adquirida por conhecidos figurões da sociedade e da política cearenses para incineração ou destruição, numa tentativa de apagar as marcas da fraude e da corrupção que o romancista havia revelado.
Jornalista corajoso e sempre muito independente, Jáder de Carvalho nunca conseguiu apagar os vulcões que brotaram da sua alma de artista e de militante de esquerda que viveram à sombra do desassossego e da perseguição indiscriminada.
Não existe segmento da cultura ou da política cearense no qual ele não tenha atuado durante mais de meio século. Nascido nos ásperos sertões de Quixadá e criado na região sul do Ceará, mais precisamente em Lavras da Mangabeira, onde o seu pai fora um dos luminares da educação do Município, conhecia, como poucos, o Ceará em todas as suas dimensões: seus usos e costumes, a sua geografia e as suas lutas fratricidas, a sua religiosidade de caráter messiânico e sua identidade de nação castigada pela seca e pela esperteza das suas elites ociosas.
Foi com a visão de sociólogo, por exemplo, que ele construiu todos os seus romances, desde a estreia, em 1937, comClasse Média, até o seu triunfo definitivo com os romances: Aldeota e sua Majestade, o Juiz.
Socialista convicto, poeta genuíno e de linguagem essencialmente clara e muito convincente, Jáder de Carvalho foi um dos arautos do modernismo no Ceará e um de seus representantes de maior relevo.
A partir de 1920, destacou-se pela sua liderança de vanguarda no campo específico da literatura; nas décadas de 1930 e 1940, experimentou os rigores do Estado Novo e todas as formas de discriminação contra a sua liberdade; mas é certo que, nas décadas seguintes e até a sua morte, em 1985, arrebatou e conquistou para si a condição de ícone e símbolo do povo cearense.
O livro de Jáder de Carvalho – Sua Majestade, o Juiz, reeditado pelo Armazém da Cultura, a partir do empenho e da visão abrangente de Albanisa Dummar, é talvez o mais expressivo romance do autor, ainda que não seja o mais conhecido de seus livros, no domínio da longa ficção.
No romance, Iguatu e a região central do Ceará, Santana do Cariri e Sobral, e a sociedade de Fortaleza do final da década de 1950, estão expostos com todos os seus vícios. A seca, em suas páginas, aparece como fenômeno climático e fato social que tomam a boca de cena da ação romanesca, mas as mazelas do Poder Judiciário cearense são aquilo que chama a atenção dos leitores.
A corrupção, a fraude e o estelionato praticados pelos nossos magistrados, mormente pelos nossos desembargadores, a partir da reificação de suas consciências e da subserviência ao poder político estadual, legitimando os seus atos arbitrários, são os elementos que saltam do romance como poderosos instrumentos de denúncia.
A construção da personagem principal do enredo, o desembargador José Sampaio Nogueira, com os traços da deformação e da paródia, da alienação e de outros componentes extraídos da teoria crítica de viés marxista, sempre me pareceu um momento alto do romance cearense.
Esse recurso extremo do discurso de Jáder de Carvalho talvez tenha prejudicado a recepção dos seus romances por parte da crítica e da nossa historiografia literária, porque entre nós a derrota da dialética foi sempre maior do que em muitos estados do Brasil.
Menor o romancista Jáder de Carvalho? Menor do que o jornalista, o intelectual, o sociólogo e o poeta? Não, não é possível que isso seja uma tese que tenha alguma consistência. Particularmente, acho que o Jáder foi grande, muito grande, como romancista. E como romancista, importa que ele seja, agora, conhecido pelas novas gerações.
Como não vou entrar, propositadamente, no enredo, nem antecipar a tessitura da trama, preparada inteligentemente pelo romancista, aproveito o ensejo deste prólogo para louvar a iniciativa de Albanisa Dummar.
Convoco o leitor para o debate e a todos sugiro a leitura desse livro, porque firmes as suas linhas de montagem, a sua potência narrativa e o seu indiscutível sentido de alusão e de paródia, condensados em linguagem literária madura e em estilo que se impõe ao gosto de todos os leitores.
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