Nossa Senhora de Guadalupe é padroeira do México. Por conta da devoção daquele povo, há um costume de se colocar nas mulheres o nome da padroeira. Há grande quantidade de Guadalupe, Lupe e Lupita por lá. Tudo começou quando um índio recebeu a visita da santa e a partir daí a fé cresceu em demasia naquelas terras.
Quem por lá transita se impressiona com o fenômeno religioso em torno da Senhora de Guadalupe, e muitas vezes também se torna devoto dessa Nossa Senhora. Foi o que aconteceu com Dimas Macedo, a ponto de colocar como título de sua mais recente obra, "Guadalupe". São 60 páginas de poemas das Edições Poetaria, editados em 2012.
À primeira vista pressupõe-se que o poeta vai direcionar seus poemas para a religiosidade que o título inspira. Mas o foco dessa sua coletânea é a mulher amada. Daí que há uma sensualidade que permeia cada poema do livro. Mesmo dividindo a obra em três movimentos: "Alfabeto", "Suíte" e "Poemas e Canções", Dimas sensualiza todos eles a partir do oferecimento do conjunto: "Para Lúcia, com todo o meu amor". Na primeira parte, ele vai de Amsterdam ao Tejo, de Atlanta a Montevidéu, de Brasília a Bruxelas, sem esquecer muitos outros lugares como Colônia e Bogotá. As cidades transfiguram-se no corpo feminino de tal forma que as ruas são as curvas da amada, e o burburinho da urbe vira o ciciar da companheira. As cidades são femininas e transpiram sensualidades que incorporam na amada. O leitor conclui que cada viagem foi uma lua de mel repetida.
Logo no primeiro poema, o poeta já instaura a sensualidade ao dizer "Flores de tua língua / na Amsterdam dos meus olhos." Quanto aos "beijos úmidos a cavoucar neblinas", do poema "Atlanta", há uma continuidade desse sensualismo. Esses beijos úmidos brotam também no Chile de Neruda. "Chile dos meus amores / e dos meus beijos úmidos, / e dos meus afetos / quase lilases." Há, como se vê, uma escalada do corpo da amada, ao transitar ruas e pontos característicos das cidades. Também essa transfiguração acontece no contato com os signos da sensualidade. "Quando te vejo nua / eu me revelo. (…) E vejo o sol nascer / no teu umbigo."
A manifestação do Eros através do eu lírico do poeta também remete, após sua culminância, aos desígnios do Tânatos. Parece que após o paroxismo resultante da relação com a amada o deus da morte mostra sua presença, em um alerta da sua presença inexorável na vida. "Eu tenho a morte cravada nos dentes". Essa revelação comprova a consciência do efêmero que o poeta transporta. É tanto que seu poema "Finitude" é um canto de comprovação dessa consciência. "No princípio da arte / está a morte / e sobre o abismo da morte / está a graça". Para ele há um lado purificador do ser que só é conseguido com a morte. É como se o espírito se purificasse ao desencastelar-se das impurezas do corpo.
Após essa luta entre criação (Eros) e destruição (Tânatos) o poeta Dimas aborda o poema como salvação, como catarse. As dores são sublimadas nas asas da poesia. O voo pela subjetividade poética salva o poeta. Esse voo tem como uma das suas estações, o corpo do poema e seu potencial de cura. "Da nave do sonho / o mito do poema / lúcido se anuncia". O poema é o teto onde o texto se anuncia. O poeta se revela pela voz que da poesia emana. Essa voz, essa fala, vem da estrutura profunda do verso. "Do ventre do poema / explode a solidão. / Do rosto do poema / sangra a utopia / que apunhala / o coração trôpego do mundo".
A partir desses caminhos percorridos pelos poemas dessa coletânea, o leitor que conhece outras obras do autor, procura encontrar vertentes que são tradicionalmente presentes nas suas obras. Uma delas é o telurismo, o amor que o poeta tem por sua terra natal, Lavras da Mangabeira. Cantada em prosa e verso, é difícil encontrar um livro de Dimas em que sua cidade não se mostre. Nesse seu novo livro ele assim se refere a sua cidade: "Lavras, minha amada terra, / como é bela a imensidão / que campeia em tua serra / do lendário Boqueirão". Nessa estrofe do poema "Cidade", ele retorna a seu paraíso perdido e não só nomeia a cidade como se refere ao seu ponto turístico mais importante que é o famoso Boqueirão.
Em "Guadalupe", Dimas Macedo transcreve trechos de críticos que o acompanham na sua trajetória poética e que merecem ser citados. Dias da Silva cita seu lado "existencial, em observação contínua dos sentimentos e dores mais profundas do ser humano". Francisco Carvalho chama a atenção da presença do "erótico ao lado do social, do memorialístico, do metafísico e até mesmo das banalidades do cotidiano". Alcides Pinto pontua seu poder de síntese, enquanto Rodrigo Marques vê o equilíbrio que se estabelece entre o lirismo e o apelo social que Dimas imprime na sua poética.
Ao final da leitura dessa mais recente produção poética de Dimas Macedo, verifica-se que os recursos estilísticos das suas obras anteriores se fazem presentes nesses novos poemas. Há lirismo, telurismo, saudosismo e até mesmo momentos existencialistas quando o assunto é a morte. O diferencial, entretanto, com relação a obras anteriores fica por conta do sensualismo. Desta feita o poeta veio mais apaixonado do que antes. Há uma sensualidade descambando para o erótico que demonstra ser o poeta um apaixonado que não teme em revelar sua paixão. Se Dimas Macedo continuar nas suas próximas obras a investir nessa vertente poética é possível que ele chegue a sua culminância literária. Só uma coisa a mais é necessária, que essa paixão que o arrebata no momento continue na sua escala ascendente.
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