No futebol, como dizia Nelson Rodrigues, está sempre o
"Impoderável da Silva" e nunca sabemos exatamente, qual o percentual
do que deu certo a nível das probabilidades, ou se veio a conquista unicamente
do trabalho. O certo é que, o acesso do Fortaleza à Série A, passando
seguidamente da C para a B e depois para a Série A se mescla com planejamento e
com gotas generosas do impoderável que empurrou a campanha para cima.
O caráter cíclico do futebol, que mostra em um determinado
período um clube padecendo longos anos de jejum e em outro, esse mesmo clube
ascendendo a degraus superiores mostra muito da trajetória do Fortaleza, que
amargou oito longos anos na Série C do Campeonato Brasileiro, colecionando
fracassos diante da Arena Castelão lotada. A cada ano, vinha aquela angústia e
o grito incontido: "Vai subir, de hoje não passa" e a decepção logo
em seguida, frente a Oeste, Macaé, Sampaio Corrêa, Brasil de Pelotas, Juventude
e por aí vai. O rosário de lamentações tornou-se ornamento de festa com um
acesso planejado, estudado e preparado, sem esquecer, as velhas gotas do
imponderável.
O Leão do Pici passou a garantir o seu acesso, quando
tomou uma decisão ousada: trazer um técnico que é ídolo como jogador, mas que
não tinha a experiência necessária para brigar por acesso e por título, na
função de comandante. Aí entra em cena uma outra frase agora pertencente ao
conquistador da antiguidade, Alexandre o Grande: "Eu não temeria um grupo
de leões conduzido por uma ovelha, mas eu sempre temeria um rebanho de ovelhas
conduzido por um leão. O clube apostou na força motriz que é o nome de Rogério
Ceni e mais que isso: não apenas no ídolo em si, mas no seu conhecimento de 19
campeonatos brasileiros disputados pelo São Paulo, afora títulos
internacionais. Era uma moeda de dupla face: o marketing e a força do nome, e
por outro, o conhecimento, a expertise, a obsessão por vitórias e a liderança
cantada em prosa e verso.
E Rogério Ceni passou a dar o tom de como seria o novo
Fortaleza. Recebido por uma multidão na Arena Castelão, ele até se entusiasmou
quando viu a receptividade do seu nome e a calorosa recepção típica de quando
jogava bola. O Mito passou a colocar os olhos mais atentamentes para a
infra-estrutura do clube e iniciou a reformulação do elenco, que já havia sido
vice-campeão da Série C do ano passado.
Para
se ter uma ideia, em 2017, o Fortaleza realizou muitos treinos em areninhas de
bairros, porque o seu campo principal, no Estádio Alcides Santos, encharcava
constantemente e não servia para os treinamentos. Resultado: Rogério Ceni
invertiu as coisas. Cobrou que fosse feita uma drenagem no local, plenamente
executada, trouxe a academia do clube para a borda do gramado e mandou
construir um campo anexo, somente para atividades em dias de treinos
regenerativos. E não foi apenas isso: levou o clube para treinar no próprio
patrimônio da agremiação, o CT Ribamar Bezerra, totalmente reformulado com a presença
do ídolo. Ele fez o Fortaleza se sentir grande, como sempre foi e não se deu
conta. A estrutura de 9,5 hectares hoje abriga dois campos exclusivos para a
equipe profissional, afora outros da base.
Os fatos acima se referem à estrutura em si, que ajudou
o clube a melhorar as condições de treino no dia a dia. A simples presença de
Rogério fez a administração catapultar o programa de sócios-torcedores. De
acanhados 4.500 sócios, o clube saltou para 25 mil sócios atuais, sendo o
principal patrocínio do Tricolor. A chegada do patrocínio da Caixa também
alavancou recursos para as contratações.
Jogadores
que não viriam para o clube, passaram a vir, por conta do empenho do próprio
treinador em trazê-los. Vale lembrar que todo esse aparato extra-campo ainda
era uma incógnita se realmente funcionaria, mas tudo levava a crer que sim.
"Nós tínhamos uma pretensão, no início da Série B, até de uma permanência,
pois o clube acabara de vir de um longo período na Série C, mas o trabalho foi
fluíndo até chegar onde estamos atualmente", reconheceu Rogério Ceni.
A renovação de contrato de alguns jogadores que já
estavam na campanha passada, entre eles o goleiro Marcelo Böeck, fundamental no
acesso à Série B e depois para a Série A, fortaleceram a campanha rumo ao topo
da tabela. A vinda do centroavante Gustavo, o Gustagol, veio em parte, pela condição
financeira que o clube assumir e capaz de honrar bons salários e também pela
intermediação do próprio Rogério Ceni.
Time
Base
Uma
das preocupações do comandante da equipe era montar um time base e esse
intento foi conseguido: Marcelo Böeck; Tinga, Diego Jussani, Ligger e Bruno
Melo; Derley, Jean Patrick e Dodô; Edinho, Gustavo e Osvaldo. Esse time
disparou no primeiro turno, ao ponto de fazer a melhor campanha de um time
nordestino na Série B, em toda a era de pontos corridos. Ao vencer o Criciúma por
2 a0, o Leão chegoju à 6ª vitória em sete rodadas. Tem ainda um empate, somou
19 pontos dos 21 disputados, com 90,5% de aproveitamento. No geral, foram cinco
equipes que já conseguiram ter o mesmo desempenho do Tricolor de Aço, depois de
sete rodadas disputadas: Corinthians (2008), Guarani (2009), Chapecoense
(2013), Botafogo (2015) e Vasco (2016).
Percalços
Mas,
o caminho não foi todo atapetado de flores. Ao longo da campanha, clubes de
maior poder aquisitivo começaram a tirar jogadores que estavam encaixados: já
se sabia que o atacante Osvaldo iria jogar na Tailândia, mas o Atlético Mineiro
fisgou Edinho, cria da base do clube, mas que já havia passado por outras
agremiações. Gustavo fraturou o braço e passou várias rodadas fora. A diretoria
agiu rápido e trouxe o meia Marlon, do Sampaio Corrêa para a vaga de Osvaldo e
depois Marcinho que pertence ao Internacional, para o lugar de Edinho. Gustavo
se recuperou, mas já havia outro centroavante para dividir com ele a missão de
gols: Ederson. O volante Jean Patrick apresentou problema no púbis e veio Nenê
Bonilha, ex-Corinthians e Vitória de Setúbal, preenchenco bem a lacuna. Com
isso, o clube pôde se manter na liderança da Série B desde a terceira rodada. O
investimento do clube seguiu, com novos pareceiros comerciais e a folha superou
facilmente R$ 1 milhão.
Pode-se
dizer que o sucesso do time do Fortaleza veio como efeito cascata do acesso à
Série B, ocorrido no ano passado, sob o comando do técnico Antônio Carlos Zago.
Isso porque, quando se pensou que a agremiação iria amargar mais um ano de
calvário na Série C, com o elenco tendo três meses de salários atrasados, de
repente, surgiu um salvador: o ex-presidente Luís Eduardo Girão investiu R$ 6,7
milhões no clube, aparelhou departamentos, trouxe novos jogadores e foi dele a
ideia de formular o convite a Rogério Ceni para vir dirigir o clube na Série B,
no ano seguinte. Após essa passagem meteórica, Eduardo Girão saiu do futebol,
onde apareceu apenas para colaborar com esse crescimento.
Montagem
O
presidente do clube, Marcelo Paz, dá a sua explicação, pela ótica do dirigente,
das razões do sucesso até aqui: "Bem, eu tendo que tudo começou com a
montagem do trabalho. A escolha do treinador, as decisões que foram tomadas
desde novembro do ano passado, de pré-temporada, de perfil do time, montagem do
elenco; de contratar jogadores que tivessem o perfil que o treinador gosta de
jogar em campo. Não necessariamente pelo nome, mas pela característica que o
atleta possa desempenhar; a sequência do planejamento, quando as coisas não
foram tão bem e a gente acreditar, ter as convicções; a questão financeira em
dia, isso foi fundamental; os salários todos em dia, premiações também; o
ambiente de união, entre atletas, diretoria e principalmente pelo apoio da
torcida", disse o dirigente.
O
executivo de futebol do Leão, Sérgio Papellin, também opinou sobre fatoros
positivos das conquistas desse ano. Ele começou citando o fato de que o time
perdeu o Campeonato Cearense com Rogério Ceni e a diretoria o manteve, mesmo
contrariando algumas vozes dissidentes: "A continuação do trabalho do
Rogério Ceni, o equilíbrio financeiro do clube, resgatando a credibilidade do
Fortaleza no mercado, e manter a motivação do grupo com salários rigorosamente
em dia e boas premiações pelas vitórias", completou. No que se refere ao
apoio da torcida, cerca de 500 mil pessoas compareceram aos jogos do Tricolor
somente em 2018.
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