Se é CARVALHO é Bom
Jáder de Carvalho |
Jornalista, romancista, poeta, advogado
e professor. Acima de tudo, um revolucionário. Assim é traçado o perfil de
Jáder de Carvalho, contado pelo seu filho Cid Carvalho e pelo amigo de lutas
políticas Gilvan Rocha. Jáder aqui se expressa como um grande
homem, dado aos diálogos e apaixonado por tudo a que se dedicou. Pai de sete
filhos, casado com a cronista de destaque e ativista política Margarida de
Saboya, foi preso político na ditadura do Estado Novo, lutou contra as
injustiças das terras no norte do país e deixou como legado suas letras e
sua coragem.
“Não quero gravata. Não me tragam o
relógio de pulso. Quero o gibão, quero as perneiras. Quero o
chapéu de couro. Quem
vai a Quixeramobim não é o professor, o bacharel, o jornalista Jáder de
Carvalho.
Quem vai é o neto de vaqueiro, o menino que não esqueceu o pátio das fazendas.
Quem vai é o rapaz que, longe do mato, longe do Banabuiú, punha o ouvido na areia da capital e ouvia (ah, como ele ouvia!) o tropel de certo poldro “Andorinha,” o mugido da vaca “Esperança”.
Quixeramobim, fala do coronel Jucá!
Fala de Antônio Conselheiro!
Conta-me a historia do infeliz Luciano e da formosa Joana Batista Barreira.”
Quem vai é o neto de vaqueiro, o menino que não esqueceu o pátio das fazendas.
Quem vai é o rapaz que, longe do mato, longe do Banabuiú, punha o ouvido na areia da capital e ouvia (ah, como ele ouvia!) o tropel de certo poldro “Andorinha,” o mugido da vaca “Esperança”.
Quixeramobim, fala do coronel Jucá!
Fala de Antônio Conselheiro!
Conta-me a historia do infeliz Luciano e da formosa Joana Batista Barreira.”
História
Jáder de Carvalho nasceu em Quixadá no
dia 29 de dezembro de 1901. Filho de Francisco Adolfo Carvalho e
Rita Moreira, teve presente na infância e na juventude a seca
do nordeste, inclusive a de 1915. Desde cedo acompanhou a saída de
trabalhadores rurais para a cidade em busca de uma vida melhor, os crimes políticos
da época, as brigas pela terra e a miséria que a população mais pobre sofria.
É no ano de 1917 que ele sai de Quixadá
e vai para Iguatu. Lá o pai arrenda uma tipografia – local que imprimia
seminários e livros de autores famosos na época. Estudou no Ateneu Quixadense,
e no Liceu de Fortaleza. Na mesma escola foi professor. Aos 20 anos já era
considerado um intelectual. Em 1922, com apenas 21 anos, despontava como
destaque entre os novos escritores da literatura cearense. Fundou jornais,
escreveu livros e participou ativamente do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
mas sobre isso falaremos logo mais.
Casa de Jáder à Rua Agapito dos Santos (Fortaleza) |
A poesia de Jáder motivada pela
paisagem sertaneja é memorialista. Nela ele expressava as belezas e
dificuldades da vida no sertão. Na sua infância passou fome e muitas dificuldades
Jáder era um pai amoroso. Teve amores, mulheres e filhos fora do casamento, mas
era bastante próximo. Um pouco contraditório.
“Todas as noites ele se reunia com a
família, por volta das 9h, para a ceia e contava as suas histórias, algumas nem
tanto do agrado da minha mãe. A casa vivia cheia de parentes e amigos que
vinham ouvi-lo contar as histórias”. (Cid Carvalho)
Personalidade
Jáder de Carvalho |
Quanto a sua personalidade, Jáder de Carvalho foi uma figura
extremamente singular, um homem que aqui no Ceará costumam chamar de “pavio
curto”. O ativista político , Gilvan Rocha, conta que ele era daquelas pessoas
que rapidamente explodiam e manifestavam com toda veemência as suas emoções,
mas contraditoriamente era uma pessoa muito afável, e, sobretudo, dado ao diálogo.
Gilvan Rocha |
Gilvan pontua: “Ele se propunha a
conversar, a trocar ideias e era extremamente polêmico.” Outro dado da
personalidade do Jáder era a coragem, física e intelectual. Ele se dispunha a
desafiar, por conta da verdade que ele supunha defender. Ele desafiava os mais
poderosos. Quem conversava rapidamente com o professor, jornalista,
escritor e político, notava que as suas mãos chamavam a atenção. “Ele
articulava muito, gesticulava bastante. Era como um italiano e isso chamava
atenção quando ele falava”.
Já engajado na política, Jáder, enquanto jornalista, ajudou a
fundar o jornal de cunho socialista A Esquerda em 1928. Em 1947, ele
realiza seu sonho e funda o jornal Diário do Povo. “Em cada publicação do
Diário, meu pai exercia a defesa dos oprimidos e se expressava livremente sobre
tudo que lhe causava mal estar”, conta o professor Cid Carvalho.
Cid Carvalho, filho de Jáder de Carvalho: Admiração e zelo por toda a vida e obra do pai |
O jornal era escrito por alunos de Jáder, recrutados no colégio Liceu do Ceará. “Jáder costumava dizer que para ser selecionado o aluno precisava atender a três critérios: ser bom aluno em história, ter paixão jornalística e ser muito bom de briga.” O ativista político Gilvan Rocha conta com entusiasmo.
O jornal tinha tiragem irregular e
estava disponível apenas para assinantes, algumas bancas e poucos gazeteiros. O
conteúdo era sempre criticando a censura do Estado Novo. Segundo o blog Fatos e
Dados de Fortaleza, em pouco tempo de editoria Jáder já tinha um inimigo de
peso. Seu nome era Faustino Albuquerque, governador do estado no mesmo ano de
fundação. O jornalista foi vítima de ataques, tiros e agressões. 14 anos
depois o jornal deixou de circular por motivos financeiros. Jáder concedeu uma
entrevista no ano de 1967 a um grupo de estudantes, e segundo ele, a época do
Diário do Povo, teria sido a melhor da sua vida.
Episódio em que Jáder expressou no
Diário do Povo suas desavenças políticas
“Heribaldo Costa, professor, jurista, cearense ilustre, era inimigo do
diretor do “Diário do Povo”, de Fortaleza, Jáder de Carvalho (pai do jornalista
Cid Carvalho). Heribaldo foi à Europa, voltou. O “Diário do Povo” noticiou:
“Chegou da Europa o ilustre professor Hericaldo Bosta” (sic). O professor,
indignado, entrou na Justiça contra o jornal. O DP perdeu e foi condenado a se
retratar na primeira página. Jáder de Carvalho escreveu uma nota grande,
desculpando-se:
“Esse jornal, sem
querer, por equívoco gráfico, cometeu um erro imperdoável.
Chamou de Hericaldo Bosta o ilustre professor de nossa Faculdade de Direito. Sabem os leitores que jamais
este jornal poderia chamar de Hericaldo Bosta um intelectual do nível e do
renome do ilustre professor da faculdade de Direito. Até porque
jamais soubemos que o ilustre mestre se chamasse Hericaldo Bosta. Mas, errar o nome de
personalidades ocorrem em todos os jornais do mundo. Acabamos chamando de
Hericaldo Bosta o venerando catedrático da faculdade de Direito. Cumprindo
determinação judicial, estamos nos desculpando e informando aos leitores que,
em vez de Hericaldo Bosta, o verdadeiro nome do distinto professor é Heribosta
Caldo”
O professor Heribaldo Costa pegou um revólver e foi ao jornal matar o
diretor Jáder Carvalho. Não deixaram
(Texto extraído de Tribuna de Imprensa – Sebastião Nery – 23.03.99)
Jáder de Carvalho – Ilustração de Audifax Rios |
"Tudo que meu pai vivia de alguma
forma estava presente nas obras dele. Ele podia se expressar por elas e mostrar
toda a sua revolta política. Ele era um homem de traços políticos e literários
muito fortes.” O primeiro livro foi escrito em 1928. O nome era “O Canto Novo
da Raça”. Jáder de Carvalho participou junto com Sidney Neto, Franklin
Nascimento e Mozart Firmeza. Esses outros eram do movimento modernista aqui do
Ceará. No ano de 1931, participou diretamente do surgimento do Modernismo
cearense com o lançamento de “Terra de Ninguém”, a este, seguem-se vários
outros romances, todos de cunho social: “Classe Média” e “Doutor Geraldo”
(1937), “A Criança Vive” (1945), “Eu Quero o Sol” (1946), “Sua Majestade, o
Juiz”(1962). O trecho desse poema aí de cima, está escrito em um dos livros de
poesias mais famosos chamado “Terra Bárbara” (1965).
Era na literatura que Jáder encontrava
suas paixões. Jáder morava só. Curioso, Gilvan, certa vez, perguntou a ele como
aguentava ficar sozinho em casa. Ele respondeu que quem tem livros nunca está
só. Jáder de Carvalho adorava ler, tinha uma extensa biblioteca e por lá ficava
horas.
“Na minha terra, as estradas são tortuosas e tristes
como o destino de seu povo errante.
Viajor, se ardes em sede,
se acaso a noite te alcançou,
bate sem susto no primeiro pouso:
— terás água fresca para sua sede,
— rede cheirosa e branca para o teu sono.
Viajor, se ardes em sede,
se acaso a noite te alcançou,
bate sem susto no primeiro pouso:
— terás água fresca para sua sede,
— rede cheirosa e branca para o teu sono.
Na minha terra,
o cangaceiro é leal e valente:
jura que vai matar e mata. Jura
que morre por alguém — e morre.
(Trecho TERRA BÁRBARA – Obra Terra Bárbara)
Política
O perfil polêmico do Jáder esteve
presente em toda sua vida jornalística. Ele era um homem de oposição, inclusive
foi preso (Estado Novo) por desfiar a ordem constituída e nesse desafio, ele
pontuava as discordâncias, das “verdades” impostas que ele pontuava como
inverdades. Aqueles que estavam no poder tinham em Jáder alguém que verberava,
que contestava, que não calava. Uma característica de Jáder era de não calar.
Jáder foi preso no final do período do
Estado Novo. Quando solto, foi uma verdadeira passeata. Foram buscá-lo no
presídio e trouxeram-no nos braços do povo. Ele também foi interrogado durante
a ditadura militar e respondeu aos questionamentos com muita petulância
(risos). Ele não se deixava intimidar. Ele confrontava, contrapunha.
“Ele era um encrenqueiro, e sua
carreira jurídica se caracterizou por atuar em causas polêmicas. Quando Jáder
ia ao Tribunal, o povo ia com ele, ouvi-lo falar e dissecar sobre sua longa
trajetória jurídica.” Jáder também atuou em causas referentes às lutas de
terras no norte do país.
Um homem de muitas histórias, de muitas
vivências, um homem fantástico. Muito venerado, muito querido pelos alunos,
pelos colegas, pelo povo, dado sua audácia, sua lucidez. “Eu era só admiração ao Jáder. Bebia cada momento, cada dizer,
cada gesto, cada história com muita atenção”, diz Gilvan. Os seus alunos
tinham verdadeira admiração por ele.
O seu poema Terra Bárbara é um hino que
mexeu com os cearenses. ‘Aldeota’ e ‘Sua Majestade, o Juiz’, foram críticas
duras à sociedade e ao judiciário.
“ (…) O juiz pilheriou:
– Este ano, pelo menos, o major tem do que fazer dinheiro.
– Como, se não tenho carnaubais? Como, se as minhas terras não ficam na ribeira do Acaraú?
Nogueira riu-se:
– E as eleições não vêem aí, major? Quantos votos o senhor tem mesmo para vender?
– Ah, não tenho quase votos pra negociar. Os meus chefetes, nos Distritos, já assumiram compromissos com vários candidatos da zona de Fortaleza. Por falar em eleições: andou aqui ontem um paraquedista, um rapazinho ainda sem barba. É um dos tais daquele escândalo das licenças falsas.
– Este ano, pelo menos, o major tem do que fazer dinheiro.
– Como, se não tenho carnaubais? Como, se as minhas terras não ficam na ribeira do Acaraú?
Nogueira riu-se:
– E as eleições não vêem aí, major? Quantos votos o senhor tem mesmo para vender?
– Ah, não tenho quase votos pra negociar. Os meus chefetes, nos Distritos, já assumiram compromissos com vários candidatos da zona de Fortaleza. Por falar em eleições: andou aqui ontem um paraquedista, um rapazinho ainda sem barba. É um dos tais daquele escândalo das licenças falsas.
Ah,
terra infeliz, este nosso Ceará! Os contrabandistas, os gatunos, em vez de irem
para a cadeia, estão é comprando votos, em prejuízo dos políticos. (…)
(Trecho romance SUA MAJESTADE, O
JUIZ)
Fonte: Ratratos e Perfis
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