sábado, 12 de novembro de 2016

JADER DE CARVALHO: Um Homem entre o Fogo e a Água

Se é CARVALHO é Bom
Jáder de Carvalho
Jornalista, romancista, poeta, advogado e professor. Acima de tudo, um revolucionário. Assim é traçado o perfil de Jáder de Carvalho, contado pelo seu filho Cid Carvalho e pelo amigo de lutas políticas Gilvan Rocha. Jáder aqui se expressa como um grande homem, dado aos diálogos e apaixonado por tudo a que se dedicou. Pai de sete filhos, casado com a cronista de destaque e ativista política Margarida de Saboya, foi preso político na ditadura do Estado Novo, lutou contra as injustiças das terras no norte do país e deixou como legado  suas letras e sua coragem.

“Não quero gravata. Não me tragam o relógio de pulso. Quero o gibão, quero as perneiras. Quero o chapéu de couro. Quem vai a Quixeramobim não é o professor, o bacharel, o jornalista Jáder de Carvalho.
Quem vai é o neto de vaqueiro, o menino que não esqueceu o pátio das fazendas.
Quem vai é o rapaz que, longe do mato, longe do Banabuiú, punha o ouvido na areia da capital e ouvia (ah, como ele ouvia!) o tropel de certo poldro “Andorinha,”  o mugido da vaca “Esperança”.
Quixeramobim, fala do coronel Jucá!
Fala de Antônio Conselheiro!
Conta-me a historia do infeliz Luciano e da formosa Joana Batista Barreira.”


(Trecho EM LOUVOR DE QUIXERAMOBIM (Obra Terra Bárbara)
Jáder de Carvalho

História

Jáder de Carvalho nasceu em Quixadá no dia 29 de dezembro de 1901. Filho de Francisco Adolfo Carvalho e Rita  Moreira, teve presente na infância e na juventude a seca do nordeste, inclusive a de 1915. Desde cedo acompanhou a saída de trabalhadores rurais para a cidade em busca de uma vida melhor, os crimes políticos da época, as brigas pela terra e a miséria que a população mais pobre sofria.

É no ano de 1917 que ele sai de Quixadá e vai para Iguatu. Lá o pai arrenda uma tipografia – local que imprimia seminários e livros de autores famosos na época. Estudou no Ateneu Quixadense, e no Liceu de Fortaleza. Na mesma escola foi professor. Aos 20 anos já era considerado um intelectual. Em 1922, com apenas 21 anos, despontava como destaque entre os novos escritores da literatura cearense. Fundou jornais, escreveu livros e participou ativamente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas sobre isso falaremos logo mais.
Casa de Jáder à Rua Agapito dos Santos (Fortaleza)
 A poesia de Jáder motivada pela paisagem sertaneja é memorialista. Nela ele expressava as belezas e dificuldades da vida no sertão. Na sua infância passou fome e muitas dificuldades Jáder era um pai amoroso. Teve amores, mulheres e filhos fora do casamento, mas era bastante próximo. Um pouco contraditório.

“Todas as noites ele se reunia com a família, por volta das 9h, para a ceia e contava as suas histórias, algumas nem tanto do agrado da minha mãe. A casa vivia cheia de parentes e amigos que vinham ouvi-lo contar as histórias”. (Cid Carvalho)

Personalidade
Jáder de Carvalho
Quanto a sua personalidade, Jáder de Carvalho foi uma figura extremamente singular, um homem que aqui no Ceará costumam chamar de “pavio curto”. O ativista político , Gilvan Rocha, conta que ele era daquelas pessoas que rapidamente explodiam e manifestavam com toda veemência as suas emoções, mas contraditoriamente era uma pessoa muito afável, e, sobretudo, dado ao diálogo. 
Gilvan Rocha
Gilvan pontua: “Ele se propunha a conversar, a trocar ideias e era extremamente polêmico.” Outro dado da personalidade do Jáder era a coragem, física e intelectual. Ele se dispunha a desafiar, por conta da verdade que ele supunha defender. Ele desafiava os mais poderosos. Quem conversava rapidamente com o professor, jornalista, escritor e político, notava que as suas mãos chamavam a atenção. “Ele articulava muito, gesticulava bastante. Era como um italiano e isso chamava atenção quando ele falava”.

Jornalismo e Literatura
Romance Aldeota, um dos mais conhecidos do escritor
Já engajado na política, Jáder, enquanto jornalista, ajudou a fundar o jornal de cunho socialista A Esquerda em 1928. Em 1947, ele realiza seu sonho e funda o jornal Diário do Povo. “Em cada publicação do Diário, meu pai exercia a defesa dos oprimidos e se expressava livremente sobre tudo que lhe causava mal estar”, conta o professor Cid Carvalho.
Cid Carvalho, filho de Jáder de Carvalho: Admiração e zelo por toda a vida e obra do pai

O jornal era escrito por alunos de Jáder, recrutados no colégio Liceu do Ceará. “Jáder costumava dizer que para ser selecionado o aluno precisava atender a três critérios: ser bom aluno em história, ter paixão jornalística e ser muito bom de briga.” O ativista político Gilvan Rocha conta com entusiasmo.

O jornal tinha tiragem irregular e estava disponível apenas para assinantes, algumas bancas e poucos gazeteiros. O conteúdo era sempre criticando a censura do Estado Novo. Segundo o blog Fatos e Dados de Fortaleza, em pouco tempo de editoria Jáder já tinha um inimigo de peso. Seu nome era Faustino Albuquerque, governador do estado no mesmo ano de fundação. O jornalista foi vítima de ataques, tiros e agressões. 14 anos depois o jornal deixou de circular por motivos financeiros. Jáder concedeu uma entrevista no ano de 1967 a um grupo de estudantes, e segundo ele, a época do Diário do Povo, teria sido a melhor da sua vida.

Episódio em que Jáder expressou no Diário do Povo suas desavenças políticas

“Heribaldo Costa, professor, jurista, cearense ilustre, era inimigo do diretor do “Diário do Povo”, de Fortaleza, Jáder de Carvalho (pai do jornalista Cid Carvalho). Heribaldo foi à Europa, voltou. O “Diário do Povo” noticiou: “Chegou da Europa o ilustre professor Hericaldo Bosta” (sic). O professor, indignado, entrou na Justiça contra o jornal. O DP perdeu e foi condenado a se retratar na primeira página. Jáder de Carvalho escreveu uma nota grande, desculpando-se:

“Esse jornal, sem querer, por equívoco gráfico, cometeu um erro imperdoável. Chamou de Hericaldo Bosta o ilustre professor de nossa Faculdade de Direito. Sabem os leitores que jamais este jornal poderia chamar de Hericaldo Bosta um intelectual do nível e do renome do ilustre professor da faculdade de Direito. Até porque jamais soubemos que o ilustre mestre se chamasse Hericaldo Bosta. Mas, errar o nome de personalidades ocorrem em todos os jornais do mundo. Acabamos chamando de Hericaldo Bosta o venerando catedrático da faculdade de Direito. Cumprindo determinação judicial, estamos nos desculpando e informando aos leitores que, em vez de Hericaldo Bosta, o verdadeiro nome do distinto professor é Heribosta Caldo” 

O professor Heribaldo Costa pegou um revólver e foi ao jornal matar o diretor Jáder Carvalho. Não deixaram
(Texto extraído de Tribuna de Imprensa – Sebastião Nery – 23.03.99)
Jáder de Carvalho – Ilustração de Audifax Rios
"Tudo que meu pai vivia de alguma forma estava presente nas obras dele. Ele podia se expressar por elas e mostrar toda a sua revolta política. Ele era um homem de traços políticos e literários muito fortes.” O primeiro livro foi escrito em 1928. O nome era “O Canto Novo da Raça”. Jáder de Carvalho participou junto com Sidney Neto, Franklin Nascimento e Mozart Firmeza. Esses outros eram do movimento modernista aqui do Ceará. No ano de 1931, participou diretamente do surgimento do Modernismo cearense com o lançamento de “Terra de Ninguém”, a este, seguem-se vários outros romances, todos de cunho social: “Classe Média” e “Doutor Geraldo” (1937), “A Criança Vive” (1945), “Eu Quero o Sol” (1946), “Sua Majestade, o Juiz”(1962). O trecho desse poema aí de cima, está escrito em um dos livros de poesias mais famosos chamado “Terra Bárbara” (1965). 
Biblioteca de Cid Carvalho guarda todas as obras de Jáder
Era na literatura que Jáder encontrava suas paixões. Jáder morava só. Curioso, Gilvan, certa vez, perguntou a ele como aguentava ficar sozinho em casa. Ele respondeu que quem tem livros nunca está só. Jáder de Carvalho adorava ler, tinha uma extensa biblioteca e por lá ficava horas.

       “Na minha terra, as estradas são tortuosas e tristes
como o destino de seu povo errante.
Viajor, se ardes em sede,
se acaso a noite te alcançou,
bate sem susto no primeiro pouso:
— terás água fresca para sua sede,
— rede cheirosa e branca para o teu sono.
Na minha terra,
o cangaceiro é leal e valente:
                            jura que vai matar e mata.                            Jura que morre por alguém — e morre.

(Trecho TERRA BÁRBARA – Obra Terra Bárbara)
Política
O perfil polêmico do Jáder esteve presente em toda sua vida jornalística. Ele era um homem de oposição, inclusive foi preso (Estado Novo) por desfiar a ordem constituída e nesse desafio, ele pontuava as discordâncias, das “verdades” impostas que ele pontuava como inverdades. Aqueles que estavam no poder tinham em Jáder alguém que verberava, que contestava, que não calava. Uma característica de Jáder era de não calar.

Jáder foi preso no final do período do Estado Novo. Quando solto, foi uma verdadeira passeata. Foram buscá-lo no presídio e trouxeram-no nos braços do povo. Ele também foi interrogado durante a ditadura militar e respondeu aos questionamentos com muita petulância (risos). Ele não se deixava intimidar. Ele confrontava, contrapunha. 

“Ele era um encrenqueiro, e sua carreira jurídica se caracterizou por atuar em causas polêmicas. Quando Jáder ia ao Tribunal, o povo ia com ele, ouvi-lo falar e dissecar sobre sua longa trajetória jurídica.” Jáder também atuou em causas referentes às lutas de terras no norte do país.
Um homem de muitas histórias, de muitas vivências, um homem fantástico. Muito venerado, muito querido pelos alunos, pelos colegas, pelo povo, dado sua audácia, sua lucidez. “Eu era só admiração ao Jáder. Bebia cada momento, cada dizer, cada gesto, cada história com muita atenção”, diz Gilvan. Os seus alunos tinham verdadeira admiração por ele.

O seu poema Terra Bárbara é um hino que mexeu com os cearenses. ‘Aldeota’ e ‘Sua Majestade, o Juiz’, foram críticas duras à sociedade e ao judiciário.

“ (…) O juiz pilheriou:
– Este ano, pelo menos, o major tem do que fazer dinheiro.
– Como, se não tenho carnaubais?  Como, se as minhas terras não ficam na ribeira do Acaraú?
Nogueira riu-se:
– E as eleições não vêem aí, major? Quantos votos o senhor tem mesmo para vender?
– Ah, não tenho quase votos pra negociar. Os meus chefetes, nos Distritos, já assumiram compromissos com vários candidatos da zona de Fortaleza. Por falar em eleições: andou aqui ontem um paraquedista, um rapazinho ainda sem barba. É um dos tais daquele escândalo das licenças falsas.                                                         
Ah, terra infeliz, este nosso Ceará! Os contrabandistas, os gatunos, em vez de irem para a cadeia, estão é comprando votos, em prejuízo dos políticos. (…)

(Trecho romance SUA MAJESTADE, O JUIZ)

Fonte: Ratratos e Perfis

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