"Queremos fazer valer nossa capacidade e força. Precisamos continuar avançando em nossa luta." |
Em pleno sertão nordestino, região historicamente marcada por forte presença masculina nas atividades produtivas rurais, as mulheres conquistam cada vez mais espaço e assumem papéis de liderança. Das cidades de Iguatu e Crato, nas regiões Cariri e Centro-Sul, respectivamente, há dois exemplos de mulheres que quebram dia a dia os paradigmas sociais e redesenham seus lugares na sociedade.
Maria Neide Batista de França Chaves, 56 anos, lidera cerca de 250 homens e mulheres. Ela é a presidente da Colônia de Pescadores Z-41, de Iguatu, e, naturalmente, assume uma das profissões mais antigas do mundo, considerada majoritariamente masculina.
Filha de pescador, desde cedo Neide acompanhou o pai no árduo trabalho diário, na Lagoa de Barro Alto, zona rural de Iguatu. A mulher conheceu o pescador José Arnaldo França com quem se casou e tem três filhos e três netos. A liderança de Neide é inspiração para as demais trabalhadoras do ramo. "Quando comecei só havia uma mulher, em uma colônia de pescadores de Fortaleza, mas hoje são várias", compara a pescadora.
"Muitas vezes saí sozinha, no fim de tarde, deixando os filhos pequenos em casa, para colocar o galão (rede de pesca), em açudes e rios, abrindo veredas, dentro de matas com espinhos, e recolhia a rede pela madrugada", ressalta a mulher, ao lembrar das intempéries passadas a fim de adquirir um lugar que é seu.
Dividida entre a família e a pesca, Neide Chaves encontrou tempo para estudar. Licenciada em pedagogia, ela foi professora municipal por sete anos, mas acabou abandonando o magistério para dirigir a colônia - já são 14 anos à frente da entidade. O segredo do sucesso na liderança está na confiança e no jeito feminino, assegura ela. "A mulher é mais maleável, cheia de doçura, tem mais capacidade de argumentar", defendeu.
O trabalho da líder já foi reconhecido em âmbito estadual. A ex-professora obteve a segunda colocação no prêmio Sebrae Mulher Empreendedora na categoria Grupos de Produção. Entretanto, nem tudo é fácil para quem trabalha com rede nas costas.
"É uma vida dura porque quem vive de pesca tem de correr para onde tem água. Os nossos açudes estão secando, muitos pescadores tiveram que ir trabalhar com a família em outros estados para não morrerem de fome".
"A mulher era só dona de casa, na cozinha. Hoje é empresária, policial e vaqueira." |
Resistência
A 150 km de Iguatu, Regilane Gonçalves, 41, prepara a sela, dá banho e alimenta o cavalo e parte do Sítio São Bento, em grupo, para a tradicional Festa da Santa Cruz da Baixa Rasa, que ocorre todo dia 25 de janeiro, no Crato. Sua filha, Yara Lima, de 17 anos, a acompanha desde os cinco. "A gente compra roupas das equipes, se prepara. É um prazer estar naquela multidão", conta. Durante o caminho, na ladeira do Lameiro, encontra suas duas irmãs, Roberta, 33, e Natália, 30, que mantêm as paixões pela vaquejada e pela cavalgada como tradições familiares.
Com chapéu de palha na cabeça, óculos escuros, camisa polo amarela - cuja cor ressalta a inscrição da equipe "Filho do Mato"- e ao lado da imagem de Nossa Senhora Aparecida, Roberta e Natália cantam versos de montaria (à capela), seguidos de aboio, na tradicional celebração. À frente de centenas de vaqueiros, a dupla arranca aplausos. Entre as expressões, uma voz ressoa: "Vaquejada é coisa de mulher, sim!".
Neste ano, Roberta pode até considerar que foi "menos" vaidosa, já que na edição anterior da principal cavalgada do Crato fez questão de combinar sua vestimenta com a de seu animal. Chapéu, peitoral e luvas; tudo rosa. "É um momento de se arrumar bem", complementa. Se no meio da multidão - de maioria masculina -, elas se destacam, no cotidiano não é diferente. Regilane, a mais velha, conta que é tão raro ver uma mulher em cima de um cavalo que as pessoas ficam "admirando". Por essa e outra razões intrínsecas à sociedade, a mulher é alvo de cantadas de homens da cidade. "Mas a gente leva na esportiva", admite.
Com inspiração no pai, o vaqueiro Antônio Gonçalves (o popular "Bigode de Ouro"), Regilane começou a trabalhar como vaqueira ainda adolescente, dando banho, comida e até aplicando injeção em equinos; por mês, ganhava em torno de R$ 80. Hoje, Regilane realiza todo esse trabalho nos seis cavalos que possui, dos quais cuida sozinha.
Com o nascimento dos filhos, o animal-amigo também ficou inseparável, já que levava a filha Yara e o irmão mais velho, ainda pequenos, para a escola, a aproximadamente 10 km de casa. Foi nesse momento que a caçula pegou gosto por montaria. Louro, o cavalo que Yara ganhou aos 13 anos, é até hoje o parceiro da adolescente, que já treina para participar de competições.
"A vaquejada como esporte ainda é muito desigual Brasil afora", pontua Regilane. A maior premiação na categoria feminina no Ceará, por exemplo, acontece na Vaquejada do Complexo Franskim Pedro, em Maranguape, que oferece o valor de R$ 10 mil, no total.
Este mesmo evento já chegou a premiar até R$ 350 mil na categoria masculina. Algumas das competições ainda oferecem inscrições gratuitas para as vaqueiras. Porém, muitas atletas não disputam por causa das despesas de viagem e aluguel das baias. Mesmo sendo campeã, muitas vezes, não compensa.
Para tentar incentivar a prática entre as mulheres, foi criada, em 2012, a Associação Brasileira de Vaqueiras (Abrava), entidade que as auxilia nas provas oficiais e realiza suas próprias competições. Seus principais campeonatos acontecem em oito etapas nos estados de Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Ceará e Pará.
Fonte: DN
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