domingo, 11 de novembro de 2018

FORTALEZA - Campeão Brasileiro Série B no seu Centenário

No futebol, como dizia Nelson Rodrigues, está sempre o "Impoderável da Silva" e nunca sabemos exatamente, qual o percentual do que deu certo a nível das probabilidades, ou se veio a conquista unicamente do trabalho. O certo é que, o acesso do Fortaleza à Série A, passando seguidamente da C para a B e depois para a Série A se mescla com planejamento e com gotas generosas do impoderável que empurrou a campanha para cima.

O caráter cíclico do futebol, que mostra em um determinado período um clube padecendo longos anos de jejum e em outro, esse mesmo clube ascendendo a degraus superiores mostra muito da trajetória do Fortaleza, que amargou oito longos anos na Série C do Campeonato Brasileiro, colecionando fracassos diante da Arena Castelão lotada. A cada ano, vinha aquela angústia e o grito incontido: "Vai subir, de hoje não passa" e a decepção logo em seguida, frente a Oeste, Macaé, Sampaio Corrêa, Brasil de Pelotas, Juventude e por aí vai. O rosário de lamentações tornou-se ornamento de festa com um acesso planejado, estudado e preparado, sem esquecer, as velhas gotas do imponderável.
 O Leão do Pici passou a garantir o seu acesso, quando tomou uma decisão ousada: trazer um técnico que é ídolo como jogador, mas que não tinha a experiência necessária para brigar por acesso e por título, na função de comandante. Aí entra em cena uma outra frase agora pertencente ao conquistador da antiguidade, Alexandre o Grande: "Eu não temeria um grupo de leões conduzido por uma ovelha, mas eu sempre temeria um rebanho de ovelhas conduzido por um leão. O clube apostou na força motriz que é o nome de Rogério Ceni e mais que isso: não apenas no ídolo em si, mas no seu conhecimento de 19 campeonatos brasileiros disputados pelo São Paulo, afora títulos internacionais. Era uma moeda de dupla face: o marketing e a força do nome, e por outro, o conhecimento, a expertise, a obsessão por vitórias e a liderança cantada em prosa e verso.

E Rogério Ceni passou a dar o tom de como seria o novo Fortaleza. Recebido por uma multidão na Arena Castelão, ele até se entusiasmou quando viu a receptividade do seu nome e a calorosa recepção típica de quando jogava bola. O Mito passou a colocar os olhos mais atentamentes para a infra-estrutura do clube e iniciou a reformulação do elenco, que já havia sido vice-campeão da Série C do ano passado. 

Para se ter uma ideia, em 2017, o Fortaleza realizou muitos treinos em areninhas de bairros, porque o seu campo principal, no Estádio Alcides Santos, encharcava constantemente e não servia para os treinamentos. Resultado: Rogério Ceni invertiu as coisas. Cobrou que fosse feita uma drenagem no local, plenamente executada, trouxe a academia do clube para a borda do gramado e mandou construir um campo anexo, somente para atividades em dias de treinos regenerativos. E não foi apenas isso: levou o clube para treinar no próprio patrimônio da agremiação, o CT Ribamar Bezerra, totalmente reformulado com a presença do ídolo. Ele fez o Fortaleza se sentir grande, como sempre foi e não se deu conta. A estrutura de 9,5 hectares hoje abriga dois campos exclusivos para a equipe profissional, afora outros da base.

 Os fatos acima se referem à estrutura em si, que ajudou o clube a melhorar as condições de treino no dia a dia. A simples presença de Rogério fez a administração catapultar o programa de sócios-torcedores. De acanhados 4.500 sócios, o clube saltou para 25 mil sócios atuais, sendo o principal patrocínio do Tricolor. A chegada do patrocínio da Caixa também alavancou recursos para as contratações.
Jogadores que não viriam para o clube, passaram a vir, por conta do empenho do próprio treinador em trazê-los. Vale lembrar que todo esse aparato extra-campo ainda era uma incógnita se realmente funcionaria, mas tudo levava a crer que sim. "Nós tínhamos uma pretensão, no início da Série B, até de uma permanência, pois o clube acabara de vir de um longo período na Série C, mas o trabalho foi fluíndo até chegar onde estamos atualmente", reconheceu Rogério Ceni.

A renovação de contrato de alguns jogadores que já estavam na campanha passada, entre eles o goleiro Marcelo Böeck, fundamental no acesso à Série B e depois para a Série A, fortaleceram a campanha rumo ao topo da tabela. A vinda do centroavante Gustavo, o Gustagol, veio em parte, pela condição financeira que o clube assumir e capaz de honrar bons salários e também pela intermediação do próprio Rogério Ceni. 


Time Base
Uma das preocupações do comandante da equipe era montar um time base e esse intento foi conseguido: Marcelo Böeck; Tinga, Diego Jussani, Ligger e Bruno Melo; Derley, Jean Patrick e Dodô; Edinho, Gustavo e Osvaldo. Esse time disparou no primeiro turno, ao ponto de fazer a melhor campanha de um time nordestino na Série B, em toda a era de pontos corridos. Ao vencer o Criciúma por 2 a0, o Leão chegoju à 6ª vitória em sete rodadas. Tem ainda um empate, somou 19 pontos dos 21 disputados, com 90,5% de aproveitamento. No geral, foram cinco equipes que já conseguiram ter o mesmo desempenho do Tricolor de Aço, depois de sete rodadas disputadas: Corinthians (2008), Guarani (2009), Chapecoense (2013), Botafogo (2015) e Vasco (2016). 

Percalços
Mas, o caminho não foi todo atapetado de flores. Ao longo da campanha, clubes de maior poder aquisitivo começaram a tirar jogadores que estavam encaixados: já se sabia que o atacante Osvaldo iria jogar na Tailândia, mas o Atlético Mineiro fisgou Edinho, cria da base do clube, mas que já havia passado por outras agremiações. Gustavo fraturou o braço e passou várias rodadas fora. A diretoria agiu rápido e trouxe o meia Marlon, do Sampaio Corrêa para a vaga de Osvaldo e depois Marcinho que pertence ao Internacional, para o lugar de Edinho. Gustavo se recuperou, mas já havia outro centroavante para dividir com ele a missão de gols: Ederson. O volante Jean Patrick apresentou problema no púbis e veio Nenê Bonilha, ex-Corinthians e Vitória de Setúbal, preenchenco bem a lacuna. Com isso, o clube pôde se manter na liderança da Série B desde a terceira rodada. O investimento do clube seguiu, com novos pareceiros comerciais e a folha superou facilmente R$ 1 milhão.

Pode-se dizer que o sucesso do time do Fortaleza veio como efeito cascata do acesso à Série B, ocorrido no ano passado, sob o comando do técnico Antônio Carlos Zago. Isso porque, quando se pensou que a agremiação iria amargar mais um ano de calvário na Série C, com o elenco tendo três meses de salários atrasados, de repente, surgiu um salvador: o ex-presidente Luís Eduardo Girão investiu R$ 6,7 milhões no clube, aparelhou departamentos, trouxe novos jogadores e foi dele a ideia de formular o convite a Rogério Ceni para vir dirigir o clube na Série B, no ano seguinte. Após essa passagem meteórica, Eduardo Girão saiu do futebol, onde apareceu apenas para colaborar com esse crescimento.

Montagem
O presidente do clube, Marcelo Paz, dá a sua explicação, pela ótica do dirigente, das razões do sucesso até aqui: "Bem, eu tendo que tudo começou com a montagem do trabalho. A escolha do treinador, as decisões que foram tomadas desde novembro do ano passado, de pré-temporada, de perfil do time, montagem do elenco; de contratar jogadores que tivessem o perfil que o treinador gosta de jogar em campo. Não necessariamente pelo nome, mas pela característica que o atleta possa desempenhar; a sequência do planejamento, quando as coisas não foram tão bem e a gente acreditar, ter as convicções; a questão financeira em dia, isso foi fundamental; os salários todos em dia, premiações também; o ambiente de união, entre atletas, diretoria e principalmente pelo apoio da torcida", disse o dirigente.
O executivo de futebol do Leão, Sérgio Papellin, também opinou sobre fatoros positivos das conquistas desse ano. Ele começou citando o fato de que o time perdeu o Campeonato Cearense com Rogério Ceni e a diretoria o manteve, mesmo contrariando algumas vozes dissidentes: "A continuação do trabalho do Rogério Ceni, o equilíbrio financeiro do clube, resgatando a credibilidade do Fortaleza no mercado, e manter a motivação do grupo com salários rigorosamente em dia e boas premiações pelas vitórias", completou. No que se refere ao apoio da torcida, cerca de 500 mil pessoas compareceram aos jogos do Tricolor somente em 2018.

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